Saquarema - Segunda-feira - 19 de fevereiro - Pôr-do-sol - Céu acima da lagoaCarnaval.
Gosto do Carnaval de um jeito diferente da maioria das pessoas. Gosto do Carnaval pra viajar, ficar na praia, sol na cabeça e alegria entre amigos.
Fui pra Região dos Lagos - Araruama, Arraial do Cabo, São Pedro D'Aldeia, Saquarema, Praia Seca, Cabo Frio, Rio das Ostras.
Embora estivesse com muitos amigos, meti o pé na estrada sozinha. Eu precisava estar em contato com o verde das matas e o azul do céu, no meu tempo, no meu ritmo. Acelerei quando tive vontade, pisei no freio quando quis. Fotografei cenas da natureza, tive lembranças, na estrada, ouvi meu programa de rádio preferido, ri sozinha. Troquei mensagens pelo celular, recebi ligação-
Surpresa. Tudo conspirou para a felicidade, e a viagem foi perfeita.
Meus anfitriões foram igualmente perfeitos. Conforto e cardápio de hotel, num ambiente amistoso e fraterno. Isso não tem preço.
"Quarta-feira de cinzas". Dez e meia da manhã. Enquanto todos voltavam pro Rio de Janeiro, eu seguia para Rio das Ostras. Queria dar um beijo e um abraço nos pais e nas irmãs da Valéria. E não importava o quanto me diziam que eu pegaria um trânsito terrível, pra voltar, porque estaria me distanciando ainda mais do Rio. Eu queria. Sentia um desejo grande de abraçar aquela gente que me é tão querida... E fui.
O pai, quando ouviu minha voz, no portão, "desmontou" - como me contou mais tarde - e caiu no choro. Saudades. Lembranças. E só apareceu uns minutos depois, pra me abraçar feliz; feliz por eu estar ali. Não cansava de me apresentar às pessoas como "a maior amiga da minha filhinha" - e você não tem idéia do orgulho que eu sentia com isso. Ele contou que naquela noite sonhara comigo e com a Valéria. E deu detalhes do sonho. Aquilo me pareceu tão real... Fiquei emocionada.
A mãe, que ao sentir meu abraço não parava de me segredar ao ouvido "você não sabe como isso é bom...", me apertava forte, como fazem as mães que querem bem aos filhos.
Suas irmãs e sobrinhos vieram pra varanda e ali ficamos sentados, conversando. Enquanto almoçávamos uma moqueca de peixe, com um pirão delicioso, peixinho cozido, como Valéria gostava, ficamos ali lembrando histórias da nossa vida.
Curioso como todas as lembranças dela nos faziam rir. Afora os momentos de dor na fase final da sua vida, não havia uma lembrança, sequer, que não nos causasse risos e até gargalhadas. Tudo naquela mulher era alegria, caramba!! Contei das nossas armações, quando íamos pra Rio das Ostras; as melhores sacações eram dela; as mais criativas idéias de como dar um "fla-flu" em alguém saíam da cabecinha dela. As festas... Como nos divertíamos naquelas festas! Lembramos dos gostos, das poses, da Brasília branca nos anos 90, das trocas de pneus - ela botava pra correr quem se oferecesse pra trocar um pneu pra ela, como se as mulheres não pudessem fazer isso... Quanta lembrança boa! Lamentamos a ausência de alguns "amigos" na cerimônia da sua despedida. Senti uma dor e mágoa, nos olhos de todos eles, ao me falarem sobre isso. Numa família enlutada, não há ninguém que consiga aceitar como justificativa o fato de você não gostar de velórios nem o de você não querer ver "daquele jeito" o amigo que se foi. Relembrei a todos que devo a ela o prosseguimento da denúncia, no Cremerj, daquele médico que a tratou de modo tão desumano, no começo de tudo. Falamos sobre os bens deixados, e procurei tranqüilizá-los de que isso faz parte do processo. Que a habilitação dos pais, para a pensão
post-mortem não significa mercenarismo. É direito e precisa ser feito. Lembramos de nosso retrato em grafite, que um desenhista fez em Trancoso/BA, e morreram de rir quando eu disse que no final ninguém sabia dizer quem era eu e quem era ela. Tivemos de perguntar ao cara e escrever atrás de cada desenho, pra não esquecer. O bugre, as bagunças, a alegria daquela viagem a Porto Seguro tornaram-se motivo de outras gargalhadas.
Enfim, entre risos e lágrimas, rimos e choramos numa tarde maravilhosa.
(Re)aprendi muito, ontem à tarde.
(Re)aprendi que você deve fazer o que o seu coração mandar, não importa "o trânsito que você vá enfrentar na volta";
que você deve "amar as pessoas como se não houvesse amanhã";
que um abraço talvez seja a melhor expressão de amor, na hora da dor;
que você, jamais, deve pensar primeiro em você, quando se tratar de estar presente numa cerimônia de despedida de alguém - afinal, ninguém está num velório por gosto; ali, se vai por amor, consideração e respeito à família, além de ter muito a ver com seu grau de comprometimento e envolvimento com o
de cujus;
que o melhor conforto quando se perde alguém é saber que você não deixou com ele nenhuma pendência; que não há nenhum remorso, nada mal resolvido;
que o vazio no coração vai ficar para sempre, mas há modos de preencher parte dele - e isso inclui cuidado mútuo, apoio, e a presença dos amigos não apenas no dia fatal, mas no decorrer da vida, nos dias, meses e anos que se seguirão.
Acima de tudo, eu (re)aprendi que o bem que se faz aos outros retorna sempre para nos fazer felizes.