Começo de outubro/2008. Por causa dessa minha mania de pensar em direitos x obrigações, mesmo fora do trabalho, de vez em quando me envolvo em situações inusitadas. Minha irmã diz que certas coisas só acontecem mesmo comigo...
Pois num daqueles
momentos de ócio que pude viver no mês de outubro, eu fui pra rua "bater perna". Caí num shopping, assim, "meio por acaso"... Entrei nas Lojas Americanas. A maldição das maldições das datas festivas é a comercialização dos sentimentos. Para comemorar o dia das mães e demonstrar amor, vende-se a idéia de que é preciso comprar um presente. Dia das crianças, então, é um suplício. Uma coisa lamentável, mesmo. Eduque seu filho de uma forma que ele cresça e se torne um adulto saudável, com valores e princípios que não o minimizem a um mero consumidor de "produtos de primeira
necessidade dispensabilidade".
E acontece que eu fiquei cerca de 40 minutos na loja e saí de lá com uma dor de cabeça tremenda! Pior do que você ouvir "Então é Natal / E o que você fez?...", com a Simone, é você passar 40 minutos ouvindo "Xuxa aos berrinhos", com aquela voz de filhotinho de taquara rachada, achando que está cantando... A coisa estava tão insuportavelmente ensurdecedora que eu comecei imaginar como estavam se sentindo os caixas, os empregados da loja, ouvindo aquilo o dia inteiro. Sim, porque há metas a serem atingidas e se é preciso vender uma quantidade "x" daquele produto, é ele que vai ficar tocando, dia e noite, até o final da campanha. Doa o ouvido que doer.
Perguntei à menina do caixa como conseguiam trabalhar com aquele som. Na verdade, essa coisa de múisca alta no ambiente de trabalho sempre me incomodou e essa é uma pergunta que faço em quase todas as lojas que tocam rock, por exemplo; e geralmente pergunto para o gerente...
A menina do caixa me disse que seria assim até o dia 12, porque era preciso vender aquele CD. E eu perguntei:
"Mas precisa ser tão alto?? Não basta o castigo da lavagem cerebral? É preciso afetar os tímpanos?" Ela disse que era mesmo um incômodo, mas que ninguém podia reclamar...
Como assim???? Ninguém????
Bem, eu sei muito bem o que é isso. Conheço a relação empregador / empregado, e sei que aí no meio tem uma figura especial, chamada "Gerente" e que muitas vezes é mais tirano que o próprio dono da coisa...
Paguei minha conta e fui ao "Atendimento ao Cliente" procurar pelo Gerente, que foi chamado pelo microfone. 5 minutos se passaram e nada. Chamaram outra vez. Nada. O atendente foi até à sala do moço e voltou com o seguinte recado:
"Ele está ocupado, fazendo uma planilha, e não pode vir aqui... A senhora até pode ir lá, mas ele me perguntou qual era o assunto , eu disse que era sobre a altura do som e ele disse que vai baixar."
Achei o seguinte: se o "Gerente de atendimento" não pode atender, o mundo está praticamente perdido! Então fui lá retardar um pouco a perdição definitiva do mundo. Salvar eu sei que não dá, mas se eu posso pelo menos retardar o processo de destruição...
Cheguei na sala, no final do salão, e me deparei com a cena: a mocinha sentada em frente ao computador, e o gerente "sentado com as costas" numa cadeira, literalmente; pernas cruzadas, mãos cruzadas também, por sobre a barriga, e achando graça de alguma coisa...
- Boa tarde! O senhor é o Gerente?
- Sim...
(arrumando-se na cadeira)
- Eu vim até aqui porque o senhor não podia ir até lá, não é mesmo? Estava fazendo uma planilha... Então eu vim aqui. Interessante, porque parece até sem sentido o que eu vou falar, já que aqui na sua sala nem dá pra ouvir o som que está tocando na loja...
- É... o rapaz me falou. Eu vou baixar.
- Sabe, eu estou há menos de uma hora na sua loja
(a esta altura, você fala como se o negócio fosse do próprio gerente - "sua loja", porque, por incrível que pareça, ele se sente mais importante, com isso, e pensa que é uma espécie de reverência que você está prestando, o que prepara a alma do moço para ouvir o que você vai dizer em seguida) . E consegui uma dor de cabeça incrível! Trabalhar aqui nesta sala é bastante confortável, mas fazer compras ou trabalhar lá fora é quase impossível!
Bem, seguiu-se um diálogo simples, educado e muito gentil, até que ele se levantasse e mexesse no botãozinho que diminui o volume do "som ambiente". Eu agradeci e me retirei.
Bobagem, você pode pensar. Implicância, talvez alguém diga. Chatice (o que for mais ousado). Mas certas coisas valem a pena, sabe? Ganhar um sorriso de gratidão das meninas do caixa, por exemplo, não tem preço.
Perdi uns 20 minutos da minha vida reclamando do som que me incomodou por cerca do dobro desse tempo, apenas. Mas salvei uma boa parte do dia dos trabalhadores daquela loja. Pelo menos por um dia.