
Tudo começou como um desabafo. Pleno domingo. Pilha de processos. Enquanto o mundo se divertia, eu me entediava com as letras
(a maioria delas sem o menor sentido) em papéis velhos, grossos, amarelados e mal-arrumados.
No início, desabafei pra mim mesma. E me conformei quando dei de cara com os olhos do Chico, assim meio de lado, clareando meus pensamentos, arrancando suspiros.
Passaram-se algumas horas, umas cinco, talvez, e eu encerrava meu expediente do final-de-semana. E então continuei escrevendo umas poucas palavras, alguma coisa a respeito do cansaço que tomava conta de mim e acerca do que me restava daquele domingo trabalhoso - deitar no sofá e ler um livro.
De repente, estava decidido.
Sim. Estava sentenciado: se eu precisava mesmo trabalhar sentada, horas e horas, inclusive domingos e feriados, misturada a letras, livros, idéias, monitor e teclado, lendo, pensando, criando, argumentando e escrevendo... que no meio disso eu me divertisse um pouco, anotando meus outros saberes, não-jurídicos, duvidando da erudição, consignando meus inconformismos depois de ler tantos, escrevendo linhas, suspirando pelas entrelinhas, desenhando bolinhas...
Esperava apenas que um dia eu pudesse rir de mim mesma, relendo minha vida, meu passado... quem sabe até me emocionasse um pouco, e de repente, nessas releituras.
Foi assim que em fevereiro de 2006 aconteceu o "Blog da Suzi". Um nome singelo; simples, mesmo; uma discreta alusão às casas antigas, "com cadeiras na calçada / e na fachada escrito em cima que é um lar..." Um quintal de brincar. Um palco onde autor, ator e platéia se resumiam numa só pessoa, ou numa "bonequinha".
E aconteceu que, de repente, fui esquecendo a porta aberta, as janelas destrancadas, as cadeiras na calçada... Quando vi, você estava por aqui.
Hoje,
quem vem pelo acaso...
quem vem pela saudade...
quem vem pelo prazer da leitura...
ou pelo desassossego, e porque daria tudo para estar na mente da boneca...
... pode entrar, pode vir.
Nunca desprezei pessoas. Nem sorrisos.
Nunca desprezei lágrimas. Nem palavras.
Nunca desprezei o silêncio. Nem a comunicação.
Nunca desprezei possibilidades antes da certeza de não ter nada a aprender com elas. E a vida é repleta de possibilidades...
Idéias e possibilidades. Meus dois motes.
Algumas aparecem aqui claramente. Algumas outras, sutis, vivem nas entrelinhas, nas palavras não-escritas, deduzidas, nas imagens sem legenda, nas legendas da imaginação.
Às vezes exsurgem diante dos seus olhos sem que eu as perceba, surgem diferentes da intenção. Surgem mais claras ou mais confusas, às vezes parecem ser o que não são.
E às vezes acontece de parecerem desconhecidas até para mim mesma. Gosto dessas, especialmente, pelo desafio de compreender-me. Talvez não houvesse graça, na vida, se todos conhecessem tudo de si, do outro, do mundo, e do mundo do outro.
Dois anos de escrevinhices. E ainda tem gente que lê. Amabilidade. Só pode ser.
"Amabilidade é quando a gente convive toda a existência com alguém e jamais lhe dá a entender que ele perdeu há anos uma perna ou perdeu um dia a cabeça." (Mario Quintana)