Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Não era tour de propriétaire, nada daquilo era meu, nem eu queria. Mas parece-me que me sentia satisfeita com o que via.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama o que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.
Clarice Lispector in Felicidade Clandestina ("Perdoando Deus")
18 comentários:
Pois é..
Existem palavras que não cabem outras palavras, Clarice é assim, plena!
Lindo dia bunita
beijosssssssssss de sampa
esse texto está marcadíssimo em meu livro.....
beijos, boneca
Bela foto, belissimo texto.
Um destes dias, eu ainda vou começar a ler Clarice e vai ser graças a ti. Bjos de boa tarde!
aiiii que eu adoro esta mulher!
Eu também descobri a Clarice por tua causa. E que bela descoberta !
O que é mais belo, o texto ou a foto?
Perfeito!
Beijo minha Tri, de quem to doida de saudades!
Clarice é tudo, Marcinha.
Amo mesmo cada palavra.
;o)
Lindo dia pra ti também!!
Que lindo! Nunca tinha lido nada dela. Vou correndo para a Bliblioteca. Bjs
É, Moniquete,
há tanto pra se marcar nos livros da moça, né?
;o)
Os elogios pela foto eu agradeço em meu próprio nome; pelo texto, agradeço em memória de Clarice, Martita...
;o)
Miguelito, vais amar...
;o)
Beijos de boa tarde também.
É, Gio,
ela é nossa queridinha, né?
;o)
Verdade, Custódia! Lembro do dia em que, no meio das férias, saíste a passear e voltaste da livraria, depois de um chá, com "A Hora da Estrela". Não foi assim mesmo?
Eu lembro!
;o)
Taia, querida tri,
eu diria que o texto é infinitamente mais belo; mas confesso que esse tom de sépia na fota deu um ar nostálgico muito bom! E eu gostei também!
;o)
Sodads de tu!!!
Dani,
é sempre assim... tudo dela é tão lindo!
;o)
Tiro o meu chapéu a Clarice Lispector(ela é de facto excepcional). Lindo texto, bela foto. Pela escolha, uma "chapelada" também para ti.
Um beijo de boa noite
Beijo de boa noite pra você também, Clau.
Clarice tem palavras lindas. As fotos apenas tentam acompanhar.
;o)
Postar um comentário