terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Papo de professora


Eu estudava Pedagogia mas já tinha um pezinho no Direito. Na verdade, minha relação com as leis, direitos e deveres é muito anterior. Minha simpatia pelos mais fracos, pelos que não podiam oferecer resistência, dada alguma condição pessoal, sempre foi muito forte.

Eu era professora, numa escola, e nosso salário atrasava. Comecei a dar aula muito cedo, quando ainda nem era formada, e fui aprendendo enquanto ensinava...
Naquela escola, em que nosso salário atrasava mais de quinze dias, todos os meses, numa época em que a inflação mensal no país era de cerca de 80%, 90%, fazia uma tremenda diferença qualquer dia de atraso no pagamento. Perdíamos dinheiro duas vezes: uma, pela desvalorização daquilo que chegava as nossas mãos como salário; outra, porque as contas pagas com atraso sofriam um acréscimo assustador, com os juros de mora e a correção.

Eu era estudante, e embora não fôssemos ricos, ao contrário, éramos uma família de poucos recursos, eu me sentia numa posição bastante confortável para reivindicar nossos direitos de professores responsáveis e cumpridores de nossos deveres. Eu sabia que muita gente, na escola, não podia reclamar, pois temia ser dispensado. E enquanto eles teriam graves problemas com isso - faltaria leite e pão em casa, perderiam a escola para os filhos, ficariam desempregados por um monte de tempo -, eu, graças a Deus, tinha uma família na qual me sustentar. Não era eu o arrimo da família. Também me tranqüilizava a idéia de que não teria dificuldade para arrumar outra escola para dar aulas, se fosse preciso. Eu tinha uma espécie de confiança no meu potencial, e acreditava mesmo que se batesse à porta de qualquer uma das escolas que havia no bairro, eu sairia empregada. Isso era importante.

Lembro que uma vez, salário há mais de quinze dias atrasado, e o Grande Mestre, chefe-mor, veio em visita à escola. Era uma rede de escolas, e a nossa ficava situada no subúrbio do Rio, num bairro pobre, com crianças pobres, algumas com mensalidades atrasadas, é verdade. Mas nós, professores, estávamos ali, no exercício da nossa dignificante missão. Então, chegou o chefão, sorridente, elogiando nosso trabalho, perguntando se estava tudo bem. Todos sorriram, como se estivesse. No fundo, estavam todos tristes, muito tristes, mas o mais triste é que não podiam contar...

Esperei um momento em que ele estava só, no corredor, aproximei-me e ele me saudou:

- Olá, Professora! (sorrindo) Tudo bem? Que prazer!
Eu, gentilmente respondi:
- Olá, Professor! Não está tudo bem...
- Oh!... Onde está o seu sorriso, Professora?
- É, Professor... Vejo que seu sorriso está nos lábios, mas eu não tenho como sorrir... Sabe, Professor, hoje é dia x e seu salário já está no bolso há pelo menos 15 dias. Sabe o nosso, Professor? Pois é... Não chegou. Mais que isso, não há previsão.
- É, Professora... Temos aqui alguns problemas com atrasos nas mensalidades...
- Sim, mas eu sou professora de rede, não desta escola. É assim que consta da minha Carteira de Trabalho... Eu desenvolvo meu trabalho com o mesmo esmero e a mesma responsabilidade dos professores de Botafogo, por exemplo, que têm alunos que pagam em dia as mensalidades... Eles, por isso, "merecem" receber em dia... E eu?

Travou-se um rápido diálogo em que eu terminei dizendo que não concebia a idéia de, trabalhando, ter de pedir dinheiro de passagem para o meu pai... Então, que seria bom que no dia seguinte o salário estivesse na minha conta, possibilitando que eu tivesse condições de pagar minha passagem de ônibus para ir ao trabalho, ou eu não poderia ir...

Tive o cuidado de falar só em meu nome, embora estivesse ali lutando muito mais por minhas colegas do que por mim.
No dia seguinte, nosso dinheiro estava na nossa conta.

Aprendi algumas coisas, naquela oportunidade. Uma delas é que às vezes é preciso traduzir a dor do outro, mesmo que ela doa menos em você do que nele; que estar preparado - para dar a volta por cima se acontecer o pior - é fundamental; aprendi a não subestimar o poder da argumentação, sem me esquecer de que a forma como você fala é quase tão importante quanto aquilo que você fala.

Hoje, quando você se defrontar com algum problema - seu ou de alguém próximo a você e por quem você possa fazer alguma coisa -, não abaixe a cabeça. Enfrente-o. Resolva-o. Esteja preparado, porque as coisas podem não sair como você espera; não subestime o poder da argumentação; e não esqueça: concentre-se no modo e não apenas naquilo que você vai falar.

Como diria um querido amigo meu, um Amigão...

TENHA UM BOM DIA, MAS UM BOM DIA MESMO!

22 comentários:

Mônica disse...

Obrigada, "tia"! Muito obrigada mesmo!

Anônimo disse...

Caraca!!
Isso foi pra mim?!!
Logo cedo ler/ouvir uma mensagem dessas...
Essa é a Suuuzi!!


Gostei disso:

"às vezes é preciso traduzir a dor do outro, mesmo que ela doa menos em você do que nele..."

Bom dia, mas BOM DIA MEEEEESMO!!

Luís F. disse...

Às vezes nem uma excelente argumentação ajuda… mas não custa nada tentar. A perseverança compensa.

Boa semana, Suzi!!!

:)

Anônimo disse...

Que saudade, minha querida. Andei sumido sim, mas só na escrita. Na leitura, embora rara, ainda apareço. Você tocou num tema muito especial. O modo como se fala. Muita gente boa perde a razão e oportunidades por "perder a forma". E calar quase sempre é ruim (menos quando se briga com a namorada) para a alma e para a história.
Entre a Psicologia Analítica e a Literatura (muito menos esta) sempre arrumo um tempinho para lê-la.
Beijão.
UMZE

marta r disse...

Como é que ele - o Grande Mestre - resolveu o assunto de um dia para o outro?

Leandro Neres disse...

Gostei deste texto, mta sabedira e legal conhecer melhor esses teus ideais...
bjs

Anônimo disse...

Adorei este texto!
Beijos *.*

Lilica disse...

Que história bacana! Falta um pouco dessa boa vontade nas pessoas né! Eu, graças a Deus, sou como vc, adoro ajudar os outros. Essa semana mesmo pedi aumento para a copeira que trabalha comigo e tô botando fé que vai dar certo! Essas atitudes fazem a gente se sentir bem melhor né!
Beijão

João Moreira disse...

Olá querida amiga,
Por vezes as pessoas acham que estão cá sozinhas, mas é bom sentirmos que não…
Fica bem
Beijos perfumados

Suzi disse...

Di Nádia, Mumumu!
:)

JEANS E CAMISETA disse...

"...concentre-se no modo e não apenas naquilo que você vai falar."
O modo as vezes é até mais importante do que aquilo que se fala.
Continuo amando suas letrinhas, "fessora".
Bjim

Suzi disse...

Su, antes de tudo este aqui trata-se de um blog para mim mesma. Gosto de registrar coisas que, um dia, relendo, me façam relembrar fatos, pessoas, coisas, conceitos, idéias, princípios.

E aí que, se, de repente, servir pra mais alguém, concluo que o blog superou todas as minhas expectativas.

;)

Bom dia, mas bom dia mesmo!!

Suzi disse...

O importante, Luís F., é não se render "de graça". E muitas vezes bons argumentos bem esposados é o que faz a diferença!
Tens razão: a perseverança compensa.

Bj! E bom restinho de semana!

Suzi disse...

Oi, UMZÉ!
Verdade, você sumiu um bocado, e é uma boa surpresa saber que de vez em quando ainda aparece. rs*

Gostei da idéia de que "calar quase sempre é ruim (menos quando se briga com a namorada) para a alma e para a história".
Bem, eu gostei mesmo foi do adendo. hehehehe!!!

Bons estudos e, quando aparecer, boa leitura!

Suzi disse...

Ah, Martucha... Pra você ver como dinheiro havia. Não havia era boa vontade... E como "quem cala consente", enquanto ninguém reclamasse ficava por isso mesmo.
Que lástima!

Suzi disse...

Memórias são sempre bons temas, não, Leandro?
;)

Bom dia!!

Suzi disse...

Beijos, Guigui!!
:)

Suzi disse...

Tomara que role o aumento da copeira, Lilica. Mais que ela, você irá se sentir muito feliz com isso! Porque essa é a recompensa pelos bons atos que praticamos.

;)

Bj!

Suzi disse...

É sempre bom ter com quem contar, Gazeta. Mais que isto, é bom ser alguém com quem as pessoas possam contar.

Bj!
E bom restinho de semana.

Suzi disse...

'Fessora de cá, 'fessora daí.
A admiração é recíproca, você sabe.
;)

Éverton Vidal Azevedo disse...

Lembrei da frase um pastor amigo meu. Um pouco de mel chama mais moscas que um poço de vinagre...

O modo de falar é essencial. Grande liçao.

Bj e bom dia, bom dia mesmo!

Suzi disse...

Há também um verso lindo, Vidal, que diz assim: "Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo" (Provérbios 25:11). Bem bacana, não é mesmo?

Beijo!