sexta-feira, 12 de setembro de 2008

E se você fosse mandado embora por justa causa?

Há duas decisões judiciais que eu gostaria de divulgar aqui, pra vocês. Uma tem a ver com futebol, e por isso vou deixar pra semana que vem, porque ontem já falamos aqui sobre a redondinha. A outra vou publicar hoje.
A de hoje foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (que abrange parte de São Paulo), no julgamento de um recurso de um empregador que despediu a empregada por justa causa. Inconformado com a sentença do juiz de primeiro grau, que não reconheceu a falta da empregada, o empregador recorreu da decisão, e o Tribunal reexaminou o julgado, prolatando o seguinte Acórdão, que você pode conferir neste link (http://www.trt2.gov.br/), consultando "acórdãos" e digitando, para a busca, o número do processo ou o número do acórdão.
Ali você terá a decisão na íntegra.
Como no processo do trabalho há uma cumulação de ações, em cada "Reclamação Trabalhista" - considerando que cada pedido (horas extras, saldo de salário, férias, dano moral etc.) é uma ação, temos decisões extensas, analisando cada um dos pedidos -, transcrevi aqui apenas a parte do Acórdão onde se analisa o motivo alegado pela Reclamada (a empregadora) para a extinção do contrato. Vamos lá?

PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região


ACÓRDÃO Nº: 20071112060 Nº de Pauta:385
PROCESSO TRT/SP Nº: 01290200524202009
RECURSO ORDINÁRIO - 02 VT de Cotia
RECORRENTE: Coorpu's Com Serv de Produtos Para Estet
RECORRIDO: Marcia da Silva Conceição

(...)

Primeiramente, ao alegar justa causa para dispensa da autora, a reclamada atraiu para si o ônus probatório de suas alegações, nos termos do art.333, II, do CPC c/c art.818 da CLT, não se desincumbindo satisfatoriamente de seu encargo, vez que não trouxe qualquer testemunha a Juízo com vistas a corroborar sua versão defensiva (fls.45/48).

As provas documentais trazidas aos autos, consistentes em uma advertência e uma suspensão, por se tratarem de documentos particulares, geram presunção de veracidade juris tantum, cabendo prova em contrário, de modo que, com a inversão da atribuição do ônus à ré, em face da justa causa, incumbia-lhe a produção de provas que corroborassem seu conteúdo. A demandada não trouxe testemunhas que corroborassem a validade das punições aplicadas e sua versão defensiva quanto aos fatos que as ensejaram.

Além disso, a reclamada, em depoimento pessoal, informou que a advertência aplicada à reclamante foi motivada pelo fato de que esta "estava ‘soltando gases’ no horário de trabalho, na presença de outras colegas, que no momento, não se recorda; o fato foi presenciado pela depoente (fl.46). A reclamante e as testemunhas da autora confirmaram tal fato (fls.45/48), que se tem por incontroverso nos autos. Entretanto, impossível validar a aplicação de punição pelo ocorrido, ao menos nas circunstâncias reveladas pela prova.

Se por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor), na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, torna-se necessário atentar à inusitada advertência, vez que esta se transformou em nódoa funcional que precedeu a dispensa da reclamante.

A flatulência constitui uma reação orgânica natural à ingestão de ar e de determinados alimentos com alto teor de fermentação, os quais, combinados com elementos diversos, presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo e necessitam ser expelidos, via oral ou anal, respectivamente sob a forma de eructação (arroto) e flatos (ventosidade, pum).

Convém a transcrição de explanação técnica a respeito, para correta elucidação dos fatos, extraída do site do conceituado médico Drauzio Varella:

  • "http://drauziovarella.ig.com.br/arquivo/arquivo.asp?doe_id=38
  • Flatulência
  • Gases intestinais podem causar grande desconforto porque provocam distensão abdominal. Além disso, em determinadas circunstâncias, podem trazer constrangimento social. O ar engolido ou os gases formados no aparelho digestivo podem ser expelidos por via oral (arroto) ou via anal (gases intestinais ou flatos). A maior parte deles, no entanto, é produzida no intestino por carboidratos que não são quebrados na passagem pelo estômago. Como o intestino não produz as enzimas necessárias para digeri-los, eles são fermentados por bactérias que normalmente ali residem. Esse processo é responsável pela maior produção e liberação de gases. Em alguns casos, por fatores genéticos ou porque adotaram uma dieta saudável com pouca gordura, mas rica em fibras e em carboidratos, algumas pessoas podem produzir mais gases. No entanto, a maioria das queixas parte de pessoas que produzem uma quantidade que os gastrenterologistas considerariam normal. Estudos demonstram que, em média, um adulto pode expelir gases vinte vezes por dia".

Consoante explicações supra, depreende-se que expelir gases é algo absolutamente natural e, ainda por cima, ocorre mais vezes em pessoas que adotam dietas mais saudáveis. Desse modo a flatulência tanto pode estar associada à reação de organismos sadios, sendo sinal de saúde, como indicativa de alguma doença do sistema digestivo, como p. exemplo o meteorismo. De qualquer forma, trata-se de reação orgânica natural, sobre a qual as pessoas não possuem, necessariamente, o controle integral. O organismo tem que expelir os flatos, e é de experiência comum a todos que, nem sempre pode haver controle da pessoa sobre tais emanações. Não se justifica assim, aplicação de punição de advertência à reclamante pelo ato de expelir gases no ambiente de trabalho, sob a presunção do empregador de que tal ocorrência configura conduta social a ser reprimida, ou de alguma forma atentatória contra a disciplina contratual ou os bons costumes. Certamente agride a razoabilidade a pretensão de colocar o organismo humano sob a égide do jus variandi, punindo indiscretas manifestações da flora intestinal sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio.

Estrepitosos ou sutis, os flatos nem sempre são indulgentes com as nossas pobres convenções sociais. Disparos históricos têm esfumaçado as mais ilustres e insuspeitadas biografias.
Verdade ou engenho literário, em "O Xangô de Baker Street" Jô Soares relata comprometedora ventosidade de D. Pedro II, prontamente assumida por Rodrigo Modesto Tavares, que por seu heroísmo veio a ser regalado pelo agradecido monarca com o pomposo título de Visconde de Ibituaçu (vento grande em tupi-guarani).

Apesar de as regras de boas maneiras e elevado convívio social pedirem um maior controle desses fogos interiores, sua propulsão só pode ser debitada aos responsáveis quando comprovadamente provocada, ultrapassando assim o limite do razoável. A imposição deliberada aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador. Já a eliminação involutária, conquanto possa gerar transtornos sociais, embaraços, constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, como ocorreu com a reclamante, não há de ter reflexo para a vida contratual. De qualquer forma, não se tem como presumir qualquer má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido durante o expediente laboral, de modo a ensejar a aplicação de advertência, que por tais razões, revelando-se injusta e abusiva a penalidade pespegada à obreira.

As alegações defensivas de que a segunda punição aplicada à reclamante decorreu do fato de estar conversando sobre fatos imorais com sua colega de trabalho também não foram objeto de comprovação pela reclamada. Ao contrário, a prova oral colhida demonstrou que a reclamante conversava sobre problemas pessoais da colega com a filha e o namorado desta, estando a autora a aconselhá-la. Como salientado pela própria ré, em depoimento pessoal (fl.46), as conversas eram permitidas no ambiente de trabalho, de modo que, não comprovada a imoralidade e qualquer incômodo decorrente do diálogo mantido entre a reclamante e sua colega de trabalho, a punição igualmente se revela injusta.

Por fim, a reclamada também não produziu provas das ofensas e da insubordinação da reclamante, referidas em defesa, ônus que lhe incumbia, como já asseverado, fatos estes ensejadores da justa causa que lhe foi imputada. A ausência de provas cabais, necessárias à configuração de justa causa, já é suficiente para afastá-la. Além disso, a reclamante, a quem incumbia apenas a produção de contraprova, corroborou sua versão inicial através da oitiva de suas testemunhas trazidas a Juízo (fls.47/48), as quais confirmaram que havia animosidades contra a reclamante, tanto por parte da sócia como da superior hierárquica, que tratavam-na com excessivo rigor. A partir da injusta suspensão motivada pela conversa com a colega, já comentada, a reclamante passou a ter que pedir autorização para ações mínimas, como ir de uma sala a outra, de modo que qualquer deslize era suficiente para uma advertência ou suspensão, culminando com a sua dispensa por justa causa em razão de ter saído da sala onde se encontrava, sem pedir autorização, para atender a pedido de uma cliente para ligar o ar-condicionado. A hipótese retratada nos autos, pelo caráter continuado, configura assédio moral praticado pela sócia da reclamada e pela superior hierárquica da autora que, juntas, uniram-se no afã de pressionar a autora, submetendo-a a vigilância discriminatória e tratamento opressivo em todos os seus passos, com vistas a aplicar-lhe sucessivas punições e assim pavimentar o caminho da justa causa.

A implantação de um ambiente repressivo e amedrontador, mais típico de ambientes militares, no caso sub judice, retrata forma de assédio moral que a doutrina estrangeira identifica como mobbing vertical descendente, ou simplesmente bossing, que comprometeu o ambiente de trabalho da reclamante, culminando com a sua dispensa através de uma justa causa inteiramente "fabricada" pelo empregador. Enfim, a justa causa mostrou-se de todo abusiva, devendo ser prestigiada a decisão de origem que a afastou.

Mantenho.

(...)

ACORDAM os Magistrados da 4ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: por unanimidade de votos, rejeitar as preliminares de nulidade por suspeição de testemunha e por cerceamento de defesa, arguidas pela reclamada; no mérito, por igual votação, dar provimento parcial ao apelo da mesma, para expungir da condenação o pagamento de 11 dias de saldo de salário, por já devidamente quitado, expungir da condenação o pagamento de diferenças salariais decorrentes do acréscimo de 30% pelo desvio de função e suas integrações em horas extras, férias mais 1/3, 13º salários, aviso prévio e FGTS com 40%, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo.

São Paulo, 11 de Dezembro de 2007.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
PRESIDENTE E RELATOR

É isso aí, minha gente. Ventinhos, no ambiente de trabalho, e um bom final-de-semana!!

6 comentários:

Lilica disse...

Quer dizer que agora peido é motivo de demissão??? PelamordeDeus!!!! Hahahahá! Muito boa essa viu! Ainda bem que quando solto meus "gasezinhos" eles não costumam fazer barulhos!!!! Hihihi! Beijão e ótimo finde Suzi!

Suzi disse...

Agora veja, Lilica!! Só faltava essa, né?
Agora me conta: além de silenciosos são cheirosinhos também??? kkkkkkkkkkkkkkkk

:o))

Anônimo disse...

Aff! Ando lesadinha, li, li, li e entendi tão pouco ou quase nada, absurdo isso tudo.
Demissão por emissão de gases? Uia! o que se faz com eles que teimam em sair na hora do expediente? Eca!

Tá ueba!! Quarta sem falta e sem gases, kkkk

lindo findi bunita
beijos

Suzi disse...

hehehehe
Sem falta e, na medida do possível, sem gases, clarinha!

;o)

Amigao disse...

"Se por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor)...."

Gente o que é isto? Quem entende estes textos?
Acho que deveriam contratar uns redatores publicitários para redigir estes textos, você não acha?
Eu li o texto inteiro e não entendi nada, sei que alguém soltava uns gazes, mas ficou a duvida, se era o juiz, ou a reclamante. Quem é a reclamante? A empregada ou o patrão?

Suzi disse...

Amigão, você sabe que há todo um trabalho para que os juízes "aprendam" a escrever de modo que qualquer pessoa possa entender o que eles dizem?

No mínimo, o homem médio deveria entender qualquer pronunciamento judicial que lesse... Mas há muitas expressões em latim, nas decisões, muitas palavras difíceis, e as sentenças terminam ficando ininteligíveis para a maioria dos mortais...

Por outro lado, admito que isso é uma espécie de vício... A gente vai se acostumando a escrever de um jeito e depois acha que está tudo suficientemente claro. Há jargões, palavras "comuns" no vocabulário jurídico, que nem sequer imaginamos sejam desconhecidas do homem médio. Essa "campanha", para pronunciamentos judiciais em linguagem mais acessível já vem rolando há um tempo, mas ainda há muita resistência. É uma discussão boa, porque, afinal, o médico, quando escreve um laudo, não escreve pra todo mundo entender. Ele até te explica (no mundo jurídico, o advogado explicaria ao cliente), mas ele escreve na linguagem médica, capaz de ser compreendido por outro profissional da medicina, e tudo bem. Um engenheiro, um arquiteto, por exemplo, não fazem uma planta falando em "passinhos", "palmos"; falam em m2, "pé direito" e tal...

Bem, é uma boa discussão. Mas, o que importa, agora, é: Reclamante é quem reclama. Na Justiça do Trabalho, em regra, o Reclamante é o empregado, que entra com o processo, a "Reclamação Trabalhista" - essa nomenclatura será alterada, a partir de 30 de setembro/08, e serão Autor e Réu, como nas demais Justiças. Isso de "reclamar" é um legado do tempo em que a Justiça do Trabalho era um órgão administrativo e não judiciário. Época de Vargas. Então, não era um processo judicial. Daí, o nome "Reclamação" e não "Ação". Agora muda, também, para Ação Trabalhista, ok?

Bem, alguma coisa, pelo menos, consegui clarear, não?
rs*

Beijos!!!