segunda-feira, 14 de abril de 2008

Crentes

Damos desculpas. Inventamos razões para não acreditar na vida, no mundo, nos outros. Não importa se pensamos que eles nos dão razão para isso; a verdade é que só entramos nessa de desacreditar quando queremos. Deliberadamente, só depende de nós. Afinal, quantas vezes um colega, uma namorada, ou um amigo vacilou com você e mesmo assim, na semana seguinte, ou um tempo qualquer depois, lá estavam vocês, novamente, de papo, abraçados, sorrindo como crianças, amoravelmente?

Dizemos que a humanidade não tem mais jeito; mas enquanto fingimos que acreditamos nisso, de fato acreditamos nela, e continuamos tendo filhos, na esperança de um mundo melhor. Dizemos que os políticos não merecem credibilidade; mas seguimos votando nas eleições, sob o argumento de que são obrigatórias, quando poderíamos pagar u'a multa de "excessivos três reais e poucos centavos"; no fundo, votamos porque ainda não inventamos uma desculpa suficientemente satisfatória e continuamos acreditando, timidamente, que o nosso candidato pode fazer a diferença.

Somos todos crentes, enquanto não criamos uma boa desculpa para não acreditar. Uma desculpa que nos convença. E a razão que encontrarmos, na verdade, nunca estará no outro, nunca vai estar lá fora. Será sempre interna. E como descrer não faz parte da nossa natureza, é preciso uma dose de esforço e energia, até para os mais pessimistas, para desacreditar, na vida, no mundo, nos outros. O problema é que, quando conseguimos, enfim, nos tornar descrentes, também nos tornamos insuportáveis, e desacreditamos em tudo, em cada coisa, em todas as pessoas.

V. (...saudades...) me dizia que devemos perdoar e recomeçar tantas vezes quantas nosso coração determine. Perdoe. Apague. Siga em frente, não importa o que digam os outros. Tantas vezes quantas quiser. Erraram? Há motivo para nunca mais acreditar? Nunca mais perdoar? Mas seu coração quer continuar acreditando? Então, apague outra vez. Perdoe. Continue o caminho, siga acreditando, ninguém manda no seu coração. Perdoe quantas mil vezes quiser. Para que nunca, nunca mesmo, exista a dúvida: e se eu tivesse dado uma outra chance?

A razão para crer e para não mais querer acreditar que a vida é bela e as gentes são boas nunca estará no outro, mas sempre dentro de você, que vai aprender, mais cedo ou mais tarde, que há imperfeição nas coisas mais perfeitas, e uma certa humanidade em tudo o que é mais divino.

Enquanto não descobre essa verdade real, o homem segue acreditando que tudo é perfeito, tudo é divino. É um chato.

E, enfim, quando percebe, pode simplesmente optar por aceitar a própria limitação e os limites do outro e continuar crendo - por isso mesmo, ou apesar disso -, ou pode lavar as mãos e tornar-se insuportável.

A vida é para todos que nascem.
A felicidade, acredite, ainda está reservada apenas aos que crêem.

22 comentários:

Amigao disse...

Caracas Suzi, será que eu sou um chato?
Eu acredito em tudo, até em duendes.
Sobre os amigos, é aquilo que digo sempre: Meus amigos não tem defeitos se tiver eu tiro.
E mais esta: Os amigos não são perfeitos, são perdoados.
Sabe, prefiro ser um chato, ou bobão a viver com um monte de rancores e desilusões.

Suzi disse...

ora, amigão,
se você já se convenceu de que "os amigos não são perfeitos, são perdoados", é porque já percebeu que nem tudo é perfeito e, apesar de, ou justamente por isso, acredita nos homens, na vida e no mundo, ora, ora.
logo, VOCÊ NÃO É UM CHATO!
você já aprendeu que há imperfeição nas coisas mais perfeitas.

:o))

beijos!

Suzi disse...

p.s.
duendes????????

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Luís F. disse...

Suzi, fizeste-me lembrar dos idos "Dias Imperfeitos"...

Não existe uma perfeição absoluta e o interesse está mesmo na imperfeição...

:)

Anônimo disse...

Não acho que a gente "entra nessa de desacreditar" deliberadamente. Acho que é um comportamento aprendido, mas de forma um pouco velada. Ninguém pensa "estou desacreditando". Simplesmente se deixa de acreditar. Eu deixei. E agora está sendo muito difícil e trabalhoso resgatar a confiança no melhor das pessoas. Tenho tentado, mas tenho sentido medo de me ferir. É bem complicado, sabe?
Mas eu acredito em mim e acredito que vou conseguir acreditar novamente nas outras pessoas.

Beijos.

Suzi disse...

talvez ainda mais que o interesse, luís f., a beleza está na imperfeição.

um beijo!

Suzi disse...

juli,
também não acho que seja deliberada, a intenção de desacreditar. nem acho que haja intenção...
o que eu penso é que a razão para desacreditar não está nos atos dos outros, na condição do mundo, na vida, em si. a razão é nossa, é interior.

enquanto não nos convencemos, pessoalmente, de que não dá mais pra acreditar, seguimos confiando, acreditando, apostando.
quando digo que só entramos nessa de desacreditar quando queremos, quero dizer que podemos continuar acreditando, não importa a quantidade de pontapés que estejamos levando nas costas... e que podemos desistir de acreditar, também. mas nunca, nunca atribuir ao outro a faculdade que temos de escolher entre acreditar e descrer.

porque já demos tantas chances quando já tínhamos "aprendido" - como você diz - o comportamento de não mais perdoar...

acreditar não é uma opção; é inerente aos seres humanamente humanos;
desacreditar, sim, é uma opção.

bem, eu acho.
ao menos nos dias em que estou no auge do meu otimismo!
;o)

beijos, querida.
e não esqueça que "o amor tem feito coisas, que até mesmo Deus duvida / já curou desenganados, já fechou tantas feridas / o amor junta os pedaços, quando o coração se quebra / mesmo que seja de aço, mesmo que seja de pedra / fica tão cicatrizado, que ninguém diz que é colado..."

Éverton Vidal Azevedo disse...

Suzi que texto maravilhoso, é texto de caneca do amigao!

Vivemos todos entre a crença e a descrença, mas a crença (como a tristeza da música de Tom e Vinícius) nao tem fim, a descrença sim...

Eu e todos os seres somos um pouco Deus e um pouco diabo, e nisso está nossa beleza... "há imperfeição nas coisas mais perfeitas, e uma certa humanidade em tudo o que é mais divino".

Obrigado por esse tetxo amiga. Muito obrigado mesmo.

Bj.
Inté!

JEANS E CAMISETA disse...

Que isso Suzi? Até arrepiei lendo o post.
Você já pensou em escrever um livro algum dia? Se não pensou deveria.
Amei!
Bjim

Anônimo disse...

Pois é, Suzi. Lendo o seu (re)comentário =), depois da explicação, concordo com você. Há sempre duas escolhas em todas as situações das nossas vidas. A gente decide o que quer ser e fazer. Mas acho que é meio natural desacreditar, depois de pontapés recebidos. Nos últimos meses, aconteceram coisas comigo que nunca pensei que pudessem acontecer. Alguém manipulou fatos como se fossem verdades, pra me prejudicar. Fiquei chocada, porque jamais faria algo parecido nem com alguém de quem não gosto. Eu já estava desacreditada, fiquei mais. Hoje, sempre que me aproximo de alguém é com cautela, vou com um pé, mas deixo o outro, caso eu precise voltar.
Eu não gosto disso, sinceramente. Acho que a confiança é essencial, e, como eu disse no outro comentário, estou tendo de reaprendê-la. Confesso que a duras penas...

Beijos.

P.S. Sabe que você é a única pessoa que me chama de Juli? E eu adoro! rs

Mais beijos.

Suzi disse...

éverton, cremos nas coisas e nas pessoas mais incríveis, mas deixar de acreditar nelas não é nada natural.
deixar de crer nos dói. fere e dói.

Suzi disse...

juli
("ju" é tão comum... rs*)

pense que a dor de não perdoar dói muito mais em nós que no outro.
eu sei que não é fácil.
mas ainda há muita gente boa, no mundo, que não merece ser desacreditada pelo papelão que outras fizeram...
reaprender a confiar é doloroso. mas, acredite, dói muito mais trancar-se na desconfiança.

um abraço carinhoso.
;o)

Suzi disse...

cris, você é muito fofa (e um pouco exagerada... rs*)
coisa de gente queridinha, eu sei...

;o)

Nina Souza disse...

Nossa, me emocionei muito com seu texto.

No fundo no fundo, todo mundo precisa crer profundamente em algo para seguir em frente. Quer na humanidade, em Deus, na tal da felicidade, ou em você mesmo. Ou em tudo ao mesmo tempo.

Coisa mais triste alguém que não crê mais em nada. Este não vive, apenas sobrevive um dia por vez.

beijos, e tenha uma semana tão iluminada quanto você iluminou tantas pessoas com esse texto.

Nina Souza disse...

E sim, concordo com seu post ai em cima... inclusive falei hoje, com uma colega, no metrô vindo pra casa tem pouco mais de duas horas.

... a beleza maior está na imperfeição, na diversidade da vida e das pessoas. ^^

Suzi disse...

pois é, nina.
veja que você tinha tudo para estar descrente, depois de toda a barra do ano passado... mas não se rendeu e continua acreditando.
isso, sim, é emocionante.

um beijo, moça!
com todo o meu carinho e respeito.
;o)

Nina Souza disse...

Obrigada pelo carinho... sempre!
=*

Suzi disse...

;o)

Thais disse...

ADOREI esse texto! Já li e reli umas 3 vezes..

sem palavras!

Suzi disse...

oi, thá!
bem-vinda por aqui!
legal, ter gostado do texto.

apareça sempre que quiser!
beijinhos.

Anônimo disse...

Caramba!!! O meu mano Vidal recomendou esse post e ele não exagerou nem um pouco!!!

Que grandeza e profundidade nessas palavras!!! Fantástico!!!

Você ganhou mais um fã!

Suzi disse...

Oi, Caio!
Seja bem-vindo por aqui. Amigos dos amigos são sempre muito bem-vindos!
Um grande abraço!