quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Alimentando o corpo e a alma, não necessariamente nessa ordem.

Em 2006 eu comecei a escrever umas coisas por aqui e assim, meio que por acaso, as pessoas foram chegando, ficando... e de repente estávamos construindo relações de amizade. Sobre essas amizades e sobre os encontros que aconteceram em pizzarias, cafés, pontos turísticos, praias, shoppings e até mesmo nas humildes residências da gente eu conto em outros dias. Hoje quero falar de uma coisa que eu comi, de uma escultura que vi e da livraria que conheci em Portugal, na época em que também encontrei, pela primeira vez, a "CCC" (esse lance da querida Custódia faz parte das outras histórias, e, aliás, é encantador).

Eu havia explorado só um pouco de Lisboa, mas estava em grupo e o roteiro nos levava para o Porto já no terceiro dia da viagem. Num passeio do tipo "citytour" vi uma escultura que despertou meu interesse, não apenas pela obra, mas pela localização também. Amor de Perdição estava ali, na calçada da Cadeia, e era uma referência ao romance de Camilo Castelo Branco, escritor português. Mas isso eu só descobri mais tarde. 

O "citytour" continuou pelas ruas do Porto, mas naquele mesmo dia voltei a pé, ao mesmo lugar, para entender um pouco mais aquilo tudo. Tribunal da Relação, Cadeia da Relação... E foi nessa hora que vi o nome da escultura: Amor de Perdição. Um casal abraçado, numa cena de amor, um Tribunal e uma Cadeia compondo o cenário. Que história era aquela? Ninguém pra contar...

Fui caminhando pelas ruas e seguindo para a Livraria mais charmosa do Porto. A Livraria Lello, na Rua das Carmelitas. Encantada com o visual, eu me entreguei, num primeiro momento, à sensação incrível de estar ali. Um edifício neogótico da arquitetura da cidade, com uma decoração encantadora, e escadarias meio mágicas, sei lá... tapete vermelho, uma iluminação vibrante, livros, livros, muitos livros, a lembrança do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro... E só depois de recuperar a respiração comecei a folhear exemplares e a escolher o que eu levaria na bagagem. 


Separei Fernando Pessoa, é claro.
Um livro ilustrado ("Message"), com 44 poemas, edição em inglês, idioma em que o escritor foi educado na infância. Um livro lindo, uma obra reconhecida hoje como "fundamental da poesia portuguesa", escolhida para dar de presente àqueles dois pedacinhos de mim que foram morar no Canadá já faz quase oito anos...
Seria perfeito se quando estivéssemos em lugares tão legais pudéssemos teletransportar para lá nossos queridos, pra estarem com a gente. Eu levaria meus três sobrinhos, meus irmãos, seus respectivos "partners", meus pais, meus amigos... Acho que fecharíamos a livraria por umas horas, porque não caberia mais ninguém além de todos nós.


Achei por lá, nas estantes, "A alma não é pequena" - um livrinho com 100 poemas portugueses para SMS, que também coloquei na sacola. Divertido e doce, algumas vezes de gosto amargo, traz coisas do tipo: "Não trago nada e não acharei nada. / Tenho o cansaço antecipado do que não acharei, / E a saudade que sinto não é nem do passado nem do futuro...", trecho de um texto escrito por Álvaro de Campos num livro abandonado em viagem. O livro tinha tudo a ver, muito embora meu celular se recuse a entregar os SMS que eu envio. Mas em tempos de WhatsApp já não me aborreço com isso.

De repente, numa das prateleiras, vejo a bela edição de um livro que eu não conhecia e então as peças do quebra-cabeça, suspeitei, começavam a se juntar...


C. Castelo Branco não me pareceu ser um escritor do tipo "unanimidade", em Portugal, quando mais tarde conversei com alguns patrícios. Mas eu estava ali de turista e fiquei curiosa! A escultura que levava o nome de seu romance estava localizada em frente à Cadeia da Relação. Huuuummmm... a homenagem deveria guardar alguma relação com isso (... com seu perdão pelo jogo de palavras).

Uma rápida leitura da nota do editor e comecei a entender a história...
"O romance Amor de Perdição (a obra-prima de Camilo Castelo Branco) foi escrito na Cadeia da Relação do Porto (no edifício onde actualmente está instalado o Centro Português de Fotografia), para onde entrara em 1 de Outubro de 1860, por ser acusado no processo de um crime de adultério com D. Ana Plácido, movido pelo comerciante Manuel Pinheiro Alves, marido da referida senhora. O romance foi inspirado na trágica vida de um seu tio, Simão António Botelho, que dera entrada naquela mesma cadeia 55 anos antes, em 12 de Março de 1805. Ali folheou Camilo o livro das entradas no cárcere e das saídas para o degredo, onde facilmente descobriu o registo (sic) de seu tio. 'Escrevi o romance em quinze dias, os mais atormentados de minha vida. Tão horrorizada tenho deles a memória, que nunca mais abrirei o Amor de Perdição,...' (...)".

O manuscrito desse livro, diz o Editor (Augusto Pinto, Editora MEL), ainda pode ser "apreciado" no Brasil, no Real Gabinete Português!!!, e na página 7 da edição que eu trouxe há uma reprodução da página 196 do "precioso manuscrito". Hora de programar uma nova visita ao Real Gabinete. 

Já de volta ao Rio de Janeiro, descobri que Amor de Perdição virou novela em Portugal e até no Brasil, nos anos 60, transmitida, aqui, pela TV Cultura. 

Do romance, extraio estas poucas palavras, pra servir de "aperitivo" a quem não acompanhou a novela (ahahaha!!) e ficou curioso com a história:

"Não era muito que Tadeu de Albuquerque fosse enganado em coisas de amor e coração de mulher, cujas variantes são tantas e tão caprichosas, que eu não sei se alguma máxima pode ser-nos guia, a não ser esta: 'Em cada mulher, quatro mulheres incompreensíveis, pensando alternadamente como se hão de desmentir umas às outras'."

Depois de um bom tempo andando por entre tantos livros, com a alma alimentada, e curtindo muito toda aquela experiência, carregando na sacola meus três livros novos saí direto para o Café Majestic. Agora era o corpo que precisava de combustível. E a melhor rabanada do mundo me esperava... Sim. Eu sei o que estou dizendo: a melhor rabanada do mundo!
Meninos, eu fui. Fui, vi e comi!


#ficaadica

2 comentários:

Lilica disse...

Eu lembro desse livro pois, se não me engano, foi leitura obrigatória em algum colégio (ou seria cursinho?). MAs obviamente que, se li, não lembro de nada da história. Mas enfim, achei a escultura belíssima!
Tenho muita vontade de conhecer a Europa, e Portugal certamente está nesses planos.E, caso eu consiga realizar esta façanha, com certeza vou a esse Café aí pois deu água na boca essa foto!!! :-)

Beijos

Suzi disse...

Lilica, conheça Portugal. Eu fiquei doze dias e achei pouco. rs Quero voltar; me chama que eu vou!!! rs
E vou comer uma rabanada dessas em cada dia que eu estiver no Porto. Pelo menos uma cada dia. É maravilhosa!!!!!
Eu ne tenho palavras para descrever. Só posso dizer que é a melhor do mundo!!!