segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um texto de Rubem Alves sobre a criança que existe dentro de nós

O Rubem Alves é um dos meus escritores preferidos, já cansei de falar isso. Outro dia eu estava lendo umas coisas dele e achei tudo muito interessante, pra variar. Aí, ontem à noite eu fui procurar o texto de novo, porque por conta dessa brincadeira que começou semana passada - quando eu disse que queria um jeito de continuar escrevendo aqui, mas de modo que o post do dia 7 de outubro continuasse eternamente acima de todos os próximos (por motivos óbvios) - eu me peguei pensando justamente nessas coisas...


Ninguém vai me desmentir e dizer que o moço da foto é feioso, esquisito, "bonitinho"
(o famoso "irmão do feio", ou "o feio arrumadinho"), coisas do tipo. Não existe controvérsia: o cara é "o cara", fim de papo. Eu realmente não conheço ninguém, e isto incluiu os meninos - que se limitarão a dizer que ele é "pintoso" - que não ache o cara lindo pra caraca (para dizer-se o menos). E aí que nos comentários do post de 9 de outubro veio a sugestão, que foi efusivamente acolhida e aplaudida, numa brincadeira que consiste em postar diariamente a imagem do moço, qualquer que seja o assunto tratado no blog.

Por isso eu lembrei do texto do Rubem Alves.

Vou explicar: É que não basta ver. Admirar o belo não é um ato de prazer, em si (tudo bem, eu admito: é um prazer, em mim; mas vamos falar sério. rs*). O que dá prazer, o que encanta, não é a mera contemplação da beleza, porque a imagem, sozinha, vira sensaboria, rapidamente. O que fascina, mesmo, é a imaginação. Imaginamos o que está por trás daquele sorriso, daquele olhar, do jeito de falar ou de ouvir do "objeto" da nossa admiração... Simplesmente porque é com isso que nós vamos brincar. Nesse momento, Rubem Alves cita Nietzsche, dizendo que "Em todo homem há uma criança que deseja brincar...", e é isso o que nos atrai uns aos outros, sabia? Se está achando que não é bem assim, espere até ler o que ele escreveu. Leia calmamente. E pense nos seus relacionamentos: aqueles que não deram certo, aqueles que se dissolveram após um tempo, aquele que vem "de vento em popa"...

Eu quis transcrever esse texto, hoje, porque talvez você entenda, de uma vez por todas, que embora cresçamos, continuamos querendo brincar, como crianças.
Você admira o outro, em última análise, por imaginar o tanto de brincadeira que pode estar guardada dentro dele, pra vocês brincarem juntos; e se depois de conhecer o saco de brinquedos que ele traz você ainda não se cansa, e continua ficando feliz só de pensar em brincar com ele, e o mesmo se dá entre ele e você... vocês têm tudo para ser felizes de verdade!

Meu pai me contou que, quando era menino, no início do século passado, guardava seus brinquedos num saco. Os brinquedos que meu pai menino guardava no saco: latas vazias, pedaços de barbante, sementes, sabugos de milho, botões, pedaços de pau, pedrinhas e todo tipo de coisas inúteis. Quando alguém aparecia para visitar minha avó ele pegava o saco de brinquedos e o esvaziava diante da visita. Certamente achava seus brinquedos interessantíssimos! A mãe dele ficava furiosa e lhe aplicava o devido corretivo de chineladas depois que a visita ia embora. A chinela era um dos itens favoritos que minha avó guardava no saco de brinquedos dela. As crianças continuam as mesmas. Ainda gostam de mostrar brinquedos. A gente cresce e continua criança. "Em todo homem há uma criança que deseja brincar..." (Nietzsche). E todos temos o nosso saco de brinquedos. A fala somos nós abrindo o saco e despejando brinquedos... O saco de brinquedos: isso é de fundamental importância, quando o amor está em jogo. A paixão acontece quando, fascinados por uma imagem – pode ser um jeito de olhar, um jeito de sorrir, um jeito de falar... - imaginamos que dentro daquele corpo de imagem fascinante estão guardados os brinquedos com que gostamos de brincar. O que vemos é a imagem da pessoa amada, mas o que imaginamos são os brinquedos que julgamos guardados dentro dela. A imagem, sozinha, logo se transforma em monotonia. Ninguém consegue ficar o tempo todo contemplando a pessoa amada, por bonita que seja. O que alimenta a paixão não é a imagem mas os brinquedos que ela guarda... Hermann Hesse dizia que a pessoa objeto do nosso amor é apenas um símbolo, uma lagoa onde o rosto da "Outra" aparece refletido. Que Outra? Aquela que imaginamos. Veja esses versos de Fernando Pessoa. Mas leia bem devagar...

“Amamos sempre, no que temos,
O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um a outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos? À Outra.
Teus beijos são de mel de boca,
São os que sempre pensei dar,
E agora a minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem é a boca? Da Outra..."


E assim vai. Mas chega um tempo em que nos cansamos de dar as mãos, nos cansamos de olhar, nos cansamos de beijar. E dizemos: "Vamos brincar?"

Hora de abrir o saco, hora da verdade... Os brinquedos espalhados pelo chão, descobrimos que não eram os brinquedos que imaginávamos. O saco era lindo! E a beleza do saco nos enganou. Uma relação amorosa, para ser duradoura, tem de ser uma relação de brincar. Ela dura enquanto os dois brincam. Um gosta de brincar com bilboquê ou de ouvir música sertaneja, enquanto o outro detesta bilboquê e prefere ouvir música clássica... Aí o jeito é brincar sozinho. O Outro, quando aparece, é um desmancha-prazeres... Pergunta que os parceiros deveriam se fazer: "Temos prazer em brincar juntos? Ficamos felizes só em pensar que vamos brincar juntos?" Se a resposta for negativa é melhor ir procurar outro saco...

4 comentários:

blue disse...

Mais uma?!?! Ai meu Deus...
loool
guiga *.*

Custódia C. disse...

Muito sábio o RA. Gostei muito do texto.
Continua brincando Suzi, que eu estou a adorar a brincadeira :):):)

Suzi disse...

Pois é, blue... A cada dia uma nova oportunidade para imaginar os brinquedos guardados dentro da imagem fascinante...
:o)

Suzi disse...

É, CCC, o moço sabe escrever. E torna tudo tão claro e tão simples, não?

Quanto ao outro moço... dispensam-se comentários... Vamos continuar a brincadeira.
;o)