terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Saber resistir

Trabalhei em casa, nesta segunda-feira. Melhor dizendo: trabalhei de casa. É que quando a gente fala "trabalhei em casa", a primeira coisa que se pensa é: "lavou a louça, a roupa, tirou o pó dos móveis..."
Trabalhar "de casa" dá uma idéia mais próxima daquilo que realmente é: você, de casa, faz o que estaria fazendo no seu local oficial de trabalho.

E quando eu trabalho de casa, pasme!, não tenho hora pra almoçar. Então, terminei parando às 15h para fazer a refeição. Sentei no sofá da sala e acompanhei parte do capítulo da novela da tarde, "Mulheres Apaixonadas". Pela primeira vez vi um pouco dessa novela, inédita pra mim. E o que vi? Justo a cena em que a linda e exuberante Christiane Torloni, professora, na novela, recita um fragmento do poema de Eduardo Alves da Costa.

Quem acompanhou a novela deve ter alguma lembrança da polêmica causada devido à autoria atribuída ao poeta, jornalista, escritor e artista plástico niteroiense Eduardo Alves da Costa; mas eu só descobri agora a celeuma que se instalou na época. Se você não soube ou não se lembra, clique AQUI.

Não vi mais nada da novela, depois do poema. Fiquei pensando naquelas palavras. Eu já conhecia o texto, já me emocionara com ele, mas por alguma razão, talvez a bela interpretação da atriz recitando aqueles versos, voltei pro escritório e esqueci da novela. Li, nessa página que coloquei aí em cima, que dois capítulos mais tarde o autor mencionou de novo o excerto do poema, ratificando a autoria, e parece que só aí as pessoas que há mais de 30 anos acreditavam ser uma obra do russo Maiakóvski, pararam de achar que havia sido um erro da teledramaturgia.

AQUI você encontra a entrevista do poeta brasileiro ao jornal Folha de São Paulo, publicada na edição que circulou no dia 20.09.2003.
E, abaixo, você vai ler o poema, na íntegra.
Em negrito, o trecho que foi declamado pela Christiane Torloni, e que corre o mundo:


NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.


Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

6 comentários:

Custódia C. disse...

E tudo isto porque ficaste um dia, a trabalhar de casa!!!
Quem disser que é uma monotonia, mente!!!
:):)

Natália disse...

Trabalhar em/de casa é legal. Mesmo que a gente acaba trabalhando mais, dá pra ter esses intervalinhos básicos, como esse que rendeu esse post tão legal.
Eu lembro bem de quando a novela passou pela primeira vez e a Helena recitou esse trecho.
Eu nunca esqueci. É lindo mesmo!

Uma boa terça-feira :)

Beijos

Amigao disse...

Ah quando estava de repouso médico também assisti "Mulheres Apaixonadas" mas não tive a mesma sorte que você.
Pois olha que surpresa, a autoria deste poema.
Pensando bem,e analisando bem, só podia ter sido de um brasileiro mesmo.

Beijão do amigão!

Anônimo disse...

Gostei! :)
*.*

João Moreira disse...

Olá querida,
Vai ser o futuro, trabalhar de casa, mas ver novela? Não há nada melhor? Historia interessante, titulo, um dia em casa….
Fica bem amiga
Beijos perfumados

Lilica disse...

Adoro Mulheres Apaixonadas! Pena não poder trabalhar DE casa apra assiti-la todos os dias! Beijão