domingo, 11 de novembro de 2007

Os irmãos Karamazov - por Nelson Rodrigues

Começo aqui a minha grave função homérica. Minha memória é um chão todo juncado de clássicos e peladas fenecidos. Antes, porém, de exumar os velhos jogos, preciso explicar toda a minha dramática relação com o Fluminense. Sou Tricolor, sempre fui Tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, antes, muito antes da presente encarnação. Vejo-me em Aldeia Campista, garoto de pé no chão e calça furada. Teria quatro anos, se tanto. 1916. A Primeira Grande Guerra ainda matava milhares, ainda matava milhões. E como então se promovia mundialmente o bigode do Kaiser! Esse bigode era o grande assunto da caricatura, em todos os idiomas.

Para mim, moleque da rua Alegre havia uma relação nítida e taxativa entre a guerra e o Fluminense. Seriamos campeões em 17, 18 e 19. Ainda hoje, meio século depois, tenho a sensação de que a Grande Guerra trazia no ventre o tricampeonato Tricolor. Vejamos o absurdo: a Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense.

Quem ia ao futebol era Milton, o meu irmão mais velho. Acompanhava o Tricolor, com uma obstinação de fanático. Quando ele chegava, de noite, eu vinha correndo perguntar:- "Quem ganhou?" E ele, tostado pelo sol dos clássicos e das peladas: - "O Fluminense!" Era o Fluminese, sempre Fluminense. Até que, um dia, não foi o Fluminense.

Imagino que o leitor esteja fazendo a impaciente pergunta: - "E o Flamengo?" Hoje, o Rubro-Negro, por onde vai, arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome gravado no coração à ponta de canivete. Mas eu não falei no Flamengo e explico: - O Flamengo nem sempre foi Flamengo.

Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia. Vale a pena voltar a 1911, ou 12, não sei. Como eu dizia, o Flamengo era ainda Fluminense.

Eu disse que o Flamengo era ainda Fluminense e já retifico: Antes do futebol, o Rubro-Negro foi remo ou, melhor dizendo, foi "domingo de regatas".

Até que, um dia, houve uma dissidência no Fluminense. Eu gostaria de saber que gesto, ou palavra, ou ódio deflagrou a crise. Imagino bate-bocas homicidas. E não sei quantos Tricolores saíram para fundar o Flamengo. Hoje, nos grandes jogos, o Estádio Mário Filho é inundado pela multidão rubro-negra. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Eis o que eu pergunto: - Os gatos pingados que se reuniram, numa salinha imaginavam as potencialidades que estavam liberando? Há um parentesco óbvio entre o Fluminense e o Flamengo. E como este se gerou no ressentimento, eu diria que os dois são os irmãos Karamazov do futebol brasileiro.

11 comentários:

Anônimo disse...

Oi suzi,tudo jóia?Meu nome é Lucas e quero dizer que achei legal essa sua idéia de transcrever um trecho dessa obra do Nélson Gonçalves pq põe um pouco mais de cultura e ajuda a deixar melhor do que já está o seu blog.Também gostei de ver a bandeira do mais querido time do Brasil.Grande abraço e beijos para vc

Mônica disse...

Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia.

jkkkkkkkkkkkkkk...que piada...NR só disse isso pq não me conheceu...eu hein...

Arcanjo D'Prata disse...

Muito bacana o texto. Confesso até que Dostoiévski é um daqueles escritores que eu digo: "qnd passar essa fase de, aí varia, concurso, provas da facul, eu leio Dostoiévski(metonímia bombando, rs) "Os Irmãos Karamázov" é um desses. Tenho o livro aqui em casa, mas sem tempo de lê-lo. Além disso, fluminense sou de nascença(porque meu pai o era e assim me batizou, rs) mas nem ligo para esportes, assim como ñ ligo para signos, e msm assim tenho um.

O blog está excelente como da última vez que vim aki. Ví até que vc colocou um post sobre Kleyton e Kleydir, e nessa terça-feira(06/11) presenciei um show deles em prol da "Viva a Vida" na escola naval. Realmente é espetacular, ainda mais o violino. Houve até uma parte em que ele sentou no colo de uma mulher e ainda tocava o violino maestria.

Um abraço!

Miguel S. disse...

Hoje fiquei a saber um pouco mais do que sabia e isso é sempre bom. :)
Beijo

Suzi disse...

Pois é, Lucas. A bandeira do mais amado, e que nos deu amis uma alegria, ontem.
uhu!!!!
:o)

Suzi disse...

Pára de show, Mumumu.
Nesse teu sangue vermelho correm umas gotinhas negras. Pode admitir. Baixinho, pra ninguém ouvir.
;o)

Suzi disse...

Arcanjo, gostei dessa coisa de "...como ñ ligo para signos, e msm assim tenho um." Nunca tinha visto por esse lado...

Mas vou lhe contar um segredinho: se vc estivesse ontem, no Maraca, teria sentido uma emoção do caramba!, mesmo nem ligando para esportes. Coisas que só o Flamengo faz!!

;o)

Suzi disse...

Pois é, Miguelito.
E de que valeria a vida se não fosse um aprendizado diário? Que monotonia...

;o)

Bom te ver por aqui!

Jade disse...

Todo mundo é flamenguista por um instantinho que seja, sábio Nelson Rodrigues!!
Vc tava lá ontem né?
Vem cá, ninguém vai devolver nosso penta mesmo não né? Que bosta!!
Beijos!!

Suzi disse...

Menina, o que foi aquilo, ontem, hein???
Teve até taça do penta!!!
kkkkkkkkk

E até o Toró jogou futebol, menina! Ê, Mengão!! Dá-lhe!!!!

Anônimo disse...

valeu, suzi. nr era talvez o mais sabio tricolor. e, realmente, o fluminense nasceu com a votacao da eternidade.

viva o flu!