23 de março de 2007.
Sexta-feira.
Duas horas da tarde.
Pego o carro e atravesso toda a Presidente Vargas, com destino à Vila Isabel, terra de Noel, Nélida Piñon e Milton Temer. No caminho, penso que serei forte todo o tempo. Estou certa de que sou a pessoa certa para fazer o que era preciso ser feito. Estou segura de mim.
Trânsito tranqüilo, chego ao meu destino minutos depois. Estaciono o carro em uma rua próxima, prendo os cabelos num rabo-de-cavalo - penso que assim tenho mais mobilidade - ponho os óculos escuros, e caminho rápido, determinada.
Subo a pequena rua de paralelepípedos num impulso, e páro na Portaria, para as informações. Percebo que minha voz sai mais grave, mais pausada e mais baixa do que o comum. Não entendo. Não é proposital nem posso controlar. Gentil e educado, o segurança faz duas ou três perguntas e ainda com firmeza na voz, grave e pausada, eu consigo responder. Mas ele já se compadece de mim, não sei como. Toca nos meus ombros e me aponta o caminho para o elevador, num sorriso singelo de quem deseja o bem.
Meus passos, já não mais tão largos, já não tão firmes, me levam ao 3º andar. Muitas portas. Respiro fundo, porque já um pouco aturdida, e abro uma delas. Com a mesma voz pausada e respiração forte, peço para falar e me apresento. Enquanto me anunciam, por telefone, fixo meus olhos no teto, na vã tentativa de desafiar com êxito a lei da gravidade. Inspiro e expiro lentamente, duas ou três vezes, na intenção de controlar a emoção e acalmar meu coração. Mas as lágrimas já escorrem dos meus olhos.
- Está tudo bem? - a bondosa atendente me pergunta, sem que eu consiga responder. Tive medo de não conseguir falar, e então nem experimentei as palavras.
A moça levanta-se depressa, e quase num abraço, daqueles que se oferece a quem padece, pergunta se eu quero um copo d'água. Respondo que sim com um breve movimento, ainda sem nada dizer, e ela me conduz, atenciosamente, à sala, servindo-me, em seguida, um copo com água.
Ali, sentada, tendo de me apresentar e dizer o porquê da minha presença, foi impossível conter as lágrimas. Chorei contida e profundamente. Mas havia um clima de ternura e aconchego, enquanto eu era atendida calma e delicadamente, o que me deu um relativo conforto.
Depois subi ao 4º andar, estendendo minha estada, ali, por mais alguns instantes. Infindáveis.
Não permaneci naquele lugar mais do que trinta minutos...
Tempo suficiente para confirmar que eu era mesmo a única pessoa que poderia cuidar de tudo isso, neste momento; mas, paralelamente... a certeza de que não há como ser forte quando se caminha pelos corredores daquele hospital, e se vê a cantina onde comprei o lanche para ela e para os seus pais, e a sala de quimioterapia, e a porta do consultório do Dr.Rodrigo, e a luta de tantas outras mulheres que buscam a cura para essa maldita doença.
Em meio às lágrimas, desci as escadas, caminhei novamente pelos paralelepípedos, olhei para cima, para a janela do corredor onde ficamos sentadas no dia daquela consulta, senti uma dor pungente, passei pelo segurança, agradeci; consternado, ele acenou, e eu segui.
A espera pelo sinal verde, a travessia da rua, o posto de gasolina e a lojinha onde comprei "Gatorade" pra ela, o percurso até o carro que, curiosamente, estava parado no mesmo lugar em que havíamos parado naquele 31 de janeiro, e só agora eu me dava conta disso, tudo fazia pesar minhas pernas, molhar os meus olhos, doer meu coração.
Meu amor por todos da sua família ainda me fará voltar lá esta semana e quantas vezes mais seja preciso, por mais que eu não seja forte como imaginei que pudesse ser. Porque, afinal, é imensamente cruel para o coração de pai e de mãe ter de reviver as últimas cenas do maior sofrimento da sua vida.
Estarei pronta. Como disse Paulo, na sua segunda carta aos Coríntios (cap.12, verso 10), "Porque quando sou fraco, então é que me faço forte."
11 comentários:
... uma menina que escreve assim, com a emoção à flor do texto, só pode ser uma menina com um coração enorme e solidário.
Suzi, estou mais uma vez sem palavras… mas aqui em cima, o Legível já disse tudo! Apesar da fragilidade, impossível de contornar, tu é definitivamente um ser humano forte, único e autentico…
Bjs.
...
Beijo
Sei bem como são eternos esses poucos trinta minutos assim como sei de cór todos esses corredores e suas portas onde vão dar, como sei da amabilidade dos atendentes, médicos e seguranças, como sei do posto de gasolina e da Rua Luiz Guimarães, pois morei por 5 anos ali e trabalhei por dois nesse hospital...você é forte bunita, muito forte e amiga, isso não se paga.
meu carinho
beijosssssssssssss
vc é´forte, forte no seu sentimento, porque mesmo sofrendo vc está sendo forte, o suficiente para ajudar os pais dela
desculpa
sem palavras
beijo
Deste lado do Atlântico, um abraço fraternal a uma alma boa, sensível e solidária. Bem hajas. Que Deus te abençoe.
Um beijo de boa noite
Suzi, a tua sensibilidade é o sinónimo da tua força.
Bjs
São momentos muito rápidos mais que custam uma eternidade para passar. São nesses momentos que conseguimos tirar forças de onde nem imaginamos que temos. Força e fé, pois tudo será resolvido o mais rápido possível. Se precisar de ajuda e só falar . Bjs.
Sempre muito grata pelo carinho e pela força que recebo continuamente, deixo um beijinho de boa noite para cada um de vocês.
Beijinho de boa noite!!
;o)
Na tua fragilidade, és muito forte e determinada. Uma coisa que gostei de ler foi que todas essas pessoas a trabalhar nessa unidade, e que já poderiam ter adquirido uma armadura para se protegerem da dor alheia (ao fim e ao cabo, quem trabalha diariamente num local assim, não pode viver em permanente estado de tristeza), manifestam carinho e sensibilidade para quem precisa em vez de se escudarem numa postura fria e dsitante.
Um grande beijo!
Verdade, Miguel.
À exceção daquele médico Luiz Guilherme, todos ali me pareceram gentis e sensíveis.
Ao "Dr. LG", uma representação no Conselho Regional de Medicina o fará refletir melhor sobre os seus métodos. Estou providenciando isto também.
Beijos de bom dia! (caramba! "boa tarde", aí, né?)
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