domingo, 12 de agosto de 2007

Dia dos Pais

Aqui em casa, desde que os filhos cresceram e formaram sua própria família, minha mãe teve a idéia de antecipar algumas comemorações, quando é preciso. Ontem, então, comemoramos o Dia do Papai. Assim, todos nos reunimos sem pressa, num sábado, almoçamos juntos, emendamos na noite, conversamos, fizemos festa, sem que houvesse preocupação de dividir o tempo, "a barriga" e a atenção com algum outro pai, em alguma outra festa.

Minha tia V. e minha vovó H., vovó emprestada, também estavam presentes. Tia V. faz aniversário hoje e vovó H. contou-me uma história triste, de fazer chorar. Sentimos falta do meu irmão e de sua família, mas hoje matamos saudade via Skype. A distância que nos separa está cada vez menor, especialmente quando começamos a conferir o preço das passagens para o Natal...

Vovó H. me perguntou por que meu pai estava ganhando presentes. Ela estava deitadinha no sofá, com um pouco de febre. Eu me abaixei ali ao seu lado, fiz um carinho e respondi: "é que amanhã é dia dos pais, vó".
Ela fechou os olhos, e com uma certa amargura na fraca voz que saía lá de dentro daquele coração magoado, me disse:
- O dia dos pais é um dia que eu não gosto.
(silêncio)

Seus olhos se encheram d'água, enquanto me contava as tristezas da sua infância, em Maceió. As agressões à mulher e aos filhos, daquele que ela nem tem referência de "pai". Arrumou uma amante, mulher a quem sua mãe dera acolhida, alimento e cuidado, e saiu de casa para nunca mais voltar. Antes de ir embora para sempre, viveu seus dias ali sem poupar ninguém de sofrimento constante. E a triste lembrança de setenta e nove anos atrás, quando tinha seus oito aninhos, permanece viva na memória da minha vovozinha...

Era um dia qualquer, de tarde, e ele estava indo embora. Um dia qualquer porque era como qualquer dia em que ele gritava, bebia, batia... Mas foi um dia qualquer diferente: ele estava indo embora de casa. Os filhos ficaram tão felizes de nunca mais tê-lo por perto que, mal se ouviu a porta bater, as crianças começaram a pular, em festa, sobre a cama. Pulos de alegria. Era a liberdade. O fim das surras, dos maus-tratos, espancamentos. Pulos de alegria. Você conhece alegria de criança. Pena que fosse por algo tão mínimo... alegria por não sofrer mais. É como a saúde. Há quem a entenda como ausência de doença. Mas ausência de doença é tão pouco... tão mínimo!

E enquanto pulavam de alegria, na cama, ouviu-se de repente a porta abrir de novo. Era o pai. Havia esquecido algo, talvez. Voltara. Abriu a porta e deparou-se com aquela alegria infantil.
Entendeu na hora.

As crianças, paralisadas, como se estivessem agora brincando de estátua, imaginaram que chegara a hora da última e derradeira surra, para nunca mais esquecerem...
Mas o que minha vozinha não esqueceu, mesmo, foram os olhos do seu pai. Chocado com a cena, o homem ali em pé, estático, extático, olhou os meninos, com olhos perplexos que se encheram de lágrimas.
E antes que lhe escorressem pela face as lágrimas de remorso, voltou dali mesmo, sem uma palavra, sem nada, e retirou-se em silêncio.
Nunca mais voltou.
E minha vó me disse, com muita dor na voz, que aquele olhar de remorso, aquelas lágrimas que não caíram, aquela cena daquele homem chocado jamais saíram da sua mente. Ele entendeu, naquele momento, o mal que sempre causara e a alegria que começava a causar.

Anos depois teve notícias de que seu pai, em João Pessoa, havia contraído tuberculose. Escreveu-lhe uma carta, se dispondo a ir até lá para cuidar dele. Em resposta, recebeu um pedido: "não venha; eu já lhe causei muito mal... não quero que você pegue essa doença."
E sem perceber que talvez ele estivesse falando da doença da alma, e não meramente da tuberculose, vovó H. atendeu seu pedido, guardando para si mesma, eternamente, a compaixão por aquele pobre coitado.

Minhas pernas estavam dormentes, a esta altura, porque ouvi todo o seu lamento, ali, abaixadinha, num salto alto, de bolsa no ombro, porque eu acabara de chegar. Mas entorpecido, mesmo, estava o meu coração.

Você é pai?

14 comentários:

Nessita! disse...

Nossa, Suzi, enchi os olhos de lágrimas com essa história da tua avó. E há tantas pessoas que passam por casos tristes como esse...

Mônica disse...

pqp...o que dói ainda mais é saber que outras crianças passam por isso todos os dias...

Anônimo disse...

E dia após dia em algum lugar desse mundão de meu Deus crianças pulam de alegria...
semana de luz, bunita
beijos

Anônimo disse...

Hoje eu tive vontade de ser pai. Seria bem legal ir com meu filho ou filha no Maracanã assistir a um jogo do Fluminense no Domingo. Com certeza eu não seria como esse pai que vc escreveu aí no blog, principalmente pq eu tenho um pai muito legal. E foi com ele que fui ao Maracanã hoje.

Suzi disse...

É, Nessita. Infelizmente. Infelizmente.
:o|

Suzi disse...

Quase oitenta anos se passaram e essa realidade ainda existe. Que tristeza, Moniquete. Muito triste, isso.

Suzi disse...

Quem dera, Clarinha, pulassem de genuína alegria, pelo que são, pelo que têm, pelo que ganham... não por apenas deixarem de apanhar.
:o(

Suzi disse...

Que Deus te abençoe desde agora, Márcio. E vai te preparando, porque para ser pai é preciso preparo, também. E muita sabedoria.
E enquanto isso, vai agradecendo a Deus por teu pai.
:o)

Anônimo disse...

A vida real supera, em muito, todas as novelas do mundo. Infelizmente, há histórias assim, como a da sua avó.

Boa semana!
Beijos! *.*

Luís F. disse...

Infelizmente, hoje em dia, continuam a acontecer tristes histórias de vida como esta…

Suzi disse...

É, Guiga. E isso é muito triste. Percebe a marca que ficou na alma daquelas crianças? Tantos anos passados e, ainda hoje, não vê nenhuma graça no Dia dos Pais. Ainda hoje chora, por tudo aquilo. Muito triste...

Suzi disse...

É, Luís F.
Infelizmente. Infelizmente. Pobres crianças... Que serão mais tarde "pobres adultos..."
:o(

Anônimo disse...

E eu que assisti a cena sem saber da intensidade. Chorei agora.
Tão triste, depois de tantos anos e ainda tão doído.

Suzi disse...

Pois é, Diesel...
Uma dor!