sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Sexta-feira, quase Natal

Fui à rua, por volta das dez da manhã. Talvez pela proximidade do Natal as pessoas fiquem ainda mais falantes, tornam-se "amigas" com espantosa maior facilidade, e aquelas que têm suas dores e angústias, usam uma espécie de radar para localizar um ombro amigo, um ouvido que as possa escutar ali mesmo, em qualquer lugar.

Fui à rua para comprar os ingredientes do coquetel de frutas que vou fazer pro almoço do dia 25, e para comprar coisinhas pros cabelos. Pois foi nessa loja que fiz minha primeira parada. Era um salão de beleza. Há uns três meses fechou. Todos os produtos que eram vendidos para os clientes estão agora em liquidação. Tipo "queima total", não é assim que se diz? Pois bem. Produtos importados e nacionais com descontos variando entre 30% e 70%. Não apenas produtos para cabelo. Havia também batons, cremes para a pele, protetores, Payot, Lancôme, Banana Boat, Nivea, John Frieda... muita coisa, de muitas marcas.

Pois o que era uma parada rápida transformou-se numa sessão de terapia. A pobre menina que está há três meses sem salário e continua trabalhando, agora nas vendas, sozinha na loja, recebendo a visita dos patrões apenas para entregar o dinheiro do dia, estava lá, olhar triste, meio rouca, resquício de uma gripe ainda nem curada, e viu na minha "carinha de 22 anos" (sim! ela disse 22!) um rosto de alguém disposto a ouvir. Foi assim que começou a contar sua triste vida...

Casada há três anos, uma filha, um marido lento, que leva a criança na creche e reclama tanto que nem vai buscá-la, com quem não mantém nenhum tipo de intimidade, e que lhe pergunta, ao menor esboço de insatisfação: "como é que você vai se virar, se se separar de mim, com essa miséria que você ganha?" Cai em si, e sem admitir para ele, concorda que não tem condições. Tem 29 anos. É alta, bonita. Um sorriso largo (que deixava escapar quando eu lhe fazia um elogio e dizia que as coisas não precisam ser assim para sempre), cabelos na altura dos ombros, levemente ondulados, dentes quase perfeitos, uma pele bonita, e uma tatuagem com o nome desse marido, nas costas. Diz que é do tempo em que era apaixonada por ele. Do tempo em que Deus lhe mostrou "que ele não era o homem certo", mas ela não quis ouvir.
Quase resignada, ela diz que a culpa é só dela. Mas acha que ainda tem o direito de ser feliz, e quer isso! Não quer mais ficar casada com ele. Quer outros céus, outros sóis, eu acho. E acho também que está certa.

Lamentou-se, ainda, das condições de trabalho. Sugeri que ajuizasse uma ação trabalhista para buscar o reconhecimento judicial de seus direitos - nem mesmo sua Carteira de Trabalho foi anotada - mas é incrível como as pessoas ainda temem a Justiça mesmo quando seus direitos são inquestionáveis. Disse que "a dona do salão trabalha com o César Maia*" e acha que não deveria processá-la. É difícil você convencer que a Justiça não quer saber disso. É difícil, porque às vezes a Justiça decepciona até a mim, que acredito tanto e trabalho tanto...

A certa altura ela já se sentia tão à vontade, que me mostrou a sandália arrebentada no caminho para o trabalho. Não podia, sequer, ir ao Shopping, distante apenas uns 50 metros, porque não tem hora de almoço e não pode fechar a loja antes das sete... Precisava de alguém que fosse até lá e comprasse uma sandalinha, de até trinta reais. Havia pedido ao segurança da loja ao lado; ele até viu, mas não sabia comprar essas coisas... Já passava de meio-dia e eu ainda precisava ir ao mercado e fazer tantas outras coisas... Mas não consegui dizer que não ía...

Ela queria qualquer sandália. Com brilhinhos seria linda. Eu não prometi. Disse que iria ao mercado, e se desse tempo, passaria no shopping, pra ver. Passei direto, nem entrei no mercado. Procurei a mais delicada, com brilhinhos. Comprei ainda uma latinha de refrigerante e um sanduíche bem gostosinho. Quando cheguei, ela me sorriu, como que sem acreditar. Fez questão de pagar a sandália. Eu queria dar de presente, mas ela insistiu e eu achei que seria melhor e mais agradável para ela assim. Decidi comprar uma bolsa, quem sabe, ou outra sandalinha, e levar para a moça, mais tarde.

E fiquei pensando... Será que é esse o espírito do Natal? Levar um pouco de esperança a um coração desolado, enxergar a beleza de uma alma abatida, ouvir quem não tem com quem falar, falar a quem tanto precisa ouvir, dar um pouco de pão e água a quem tem fome e sede, fazer brotar um sorriso de um rosto amarelado de tristeza, valorizar e devolver a auto-estima de alguém que caminha curvado, olhando pro chão?

Na sua simplicidade, ela ainda conseguiu me presentear. Pediu que eu escolhesse três batons, e me deu de presente. Meus olhos sorriram com os dela.
Eu não vou esquecer disso. Da prova inconteste de que "ninguém é tão grande que não possa aprender nem tão pequeno que não possa ensinar"; ninguém tem tão pouco que não possa doar nem tem tanto que não precise de um pouco.

Eu, que achava que tinha ajudado alguém, neste Natal... Ganhei a felicidade de ver um sorriso naquele rosto, e ela ganhou a alegria de ver a minha emoção, pelos delicados presentes que me dera.

Ela me abraçou como se fôssemos amigas há tanto tempo. E eu "profetizei" que seu Ano Novo será abençoado; uma vida nova, de alegrias, saúde e paz. Agora preciso conversar com Deus sobre isso, para que realmente tudo aconteça.



*César Maia é o Prefeito do Rio de Janeiro

(Os saquinhos espalhados pelos galhos da árvore são vagões de um trenzinho, com as letras do nome de V. Vamos brincar de encontrar as letras e montar o brinquedo, na tarde do dia 25.)

18 comentários:

Mônica disse...

nada acontece por acaso, né boneca? esteja certa que seu caminho e o dessa moça não se cruzaram a toa....arrepiada aqui com tudo que escreveste!

que orgulho sinto em poder dizer que sou sua amiga!

* sim, tudo certo pra amanhã!

beijo enorme

Anônimo disse...

Suzi querida,
não me surpreendo com sua atitude mas ainda fico boba de ver que tem gente que acha que "melhor com ele"...
Tenho certeza que a moça vai repensar cada vez que olhar a sandália.
Gostoso sentir esse olhar terno e poder compartilhar um sorriso, gostoso demais.
Amanhã é a reunião da familia, filhos, netos, sobrinhos, irmãos, noras e familiares de noras,aff! gente de sair pelo ladrão,rss, muito riso e troca de amigo oculto, pois é...isso quer dizer que: não irei abraçar vocês :(
Deixo meu agradecimento pelo carinho constante e desejo o mais lindo natal juntos aos seus, te amo, bunita, e nisso pode confiar!
lindos dias
beijosssssssssssss

Mosana disse...

oooooooooooooooooooooooooooooooooooooo
sabia que fiquei emocionada?
juro juro juro......
com td q escreveu. de alma lavada.. como sempre.. mas.. talvez pelo espirito natalino.. cada vez mais raro.. eu tenha sentindo tanto...
com certeza essa moça jamais esquecerá de ti..
que Deus te abençoe Suzi!
Feliz Natal!
Feliz 2007!!

Anônimo disse...

Suzi, vinha eu, como quase sempre faço nas minhas rondas nocturnas pelos "blogs amigos", com a intenção de passar rápido para te deixar um Feliz Natal, porque já sei que os próximos dois dias vão ser corridos e mais vale desejar mais cedo do que tarde demais (é o meu lema)... Claro que fui surpreendido pela tua prosa, contagiante como sempre, e fiquei também eu a pensar nos acasos da vida. Acho que, de certa maneira, já ganharam as duas o Natal.
Não sou tão espontâneo como tu no meu dia a dia, mas, quero (preciso) também acreditar, que num caso semelhante não ficaria indiferente.
Quanto à arvore, acho que está parecida com o que dás a ver de ti: alegre e colorida! Tudo de bom!

Taia disse...

São 02:04 da manhã e eu aqui arrepiada e emocionada com sua história. A dela. A de vocês.
Caramba.
Taí, minha oração de Natal terá a vendedora como símbolo.
Por isso e por tantas que te adoro.

marta r disse...

Que belo conto de Natal, Suzi.Acho que este é que é o verdade espírito da época: levar um sorriso a quem tanto precisa dele. E as duas ficaram mais ricas depois deste encontro...

Deixo-te mais uma vez desejos de um FELIZ NATAL. Porque mereces MESMO.

Suzi disse...

Moniquete,
há tantos caminhos cruzando os nossos, em busca, muitas, vezes, apenas de um sorriso. E andamos tão depressa que, se bobear, nem percebemos...
Que tenhamos todos um feliz Natal.
;o)

Suzi disse...

Marcinha,
olhos que brilham e sorriso que ilumina. Todos os olhos deviam ser assim; todos os sorrisos deviam iluminar. Seria um mundo de muito mais luz!

(sentiremos sua falta...)

Suzi disse...

Momô, eu também não conseguirei me esquecer dela... As coisas, quando tocam o coração são mesmo inesquecíveis.
Tomara que ela tenha um Natal feliz e um novo começo, em 2007, né?
Beijos e boa viagem. Se estiver no Rio, mande um e-mail. Quem sabe a gente se vê...?

Suzi disse...

Miguel,
que bom que a leitura segurou você por aqui mais um pouquinho! ;o)
Sei que você também não ficaria indiferente. Acho que ninguém conseguiria. Eram olhos que pediam: "por favor, me ouça..." e um coração aflito, mesmo tão jovem, e num corpo tão bonito.
Ganhamos o Natal, as duas, como você disse. E espero que gestos de amor, assim, recíprocos, se perpetuem durante todo o novo ano.

Adorei isso de "mais vale desejar mais cedo do que tarde demais".
Então, FELIZ NATAL E UM ANO NOVO COM SAÚDE E SABEDORIA!!!

Suzi disse...

Ô, Taia... que coisa linda! Inclua, sim, a menina, na sua oração de Natal. E que o seu, o dela, o nosso Ano Novo seja cheio de bênçãos de Deus.
Um beijo e
até já!!!

Suzi disse...

Martinha,
sem dúvida que haverá um gosto de satisfação, neste meu Natal, por ter sentido o carinho de alguém que foi gentil. Espero que o dela traga momentos de paz, para juntar forças para um novo começo, em 2007.
Todas essas coisas boas eu te desejo também!
Um beijo,
:o)

Anônimo disse...

Creio que Deus se manifesta nestes momentos singelos (magnânimos) da vida... E os anjinhos, como você, são guiados por Ele.
Suzi, muito obrigada pelos dias que pude estar contigo aqui no blog, onde pude "conhecer" um anjo especial.
Vou lá me encontrar com mais um anjo: minha mãezinha. Quero desejar um FELIZ NATAL a você e a toda a sua família.
Esteja certa de que V. continua no meu pensamento.
Deus a(s) abençoe(m)!
Até...

Beijo;
Anna.

Luís F disse...

Como "vejo" a Suzi... Sensível e Humana. Divertida e Amiga. Culta e Generosa. Depois de ler este verdadeiro conto de Natal, faltam-me as palavras para expressar todo o meu sentimento. Só posso mesmo desejar-te um FANTÁSTICO NATAL!!! Com disse a Martinha, mereces e muito…

Beijinhos natalícios

Custódia C. disse...

São 22h00 aqui em Portugal e passei para uma visitinha rápida e dizer que não, não esqueço do Aniversariante, mas fiquei retida neste post. Afinal, haverá melhor forma de festejar o Aniversário do que esta que descreves aqui?
Grande beijinho Suzi e mais uma vez FELIZ NATAL!

Suzi disse...

Anna,
foi essa a visita que fiz ontem à tarde e, por conta disso, não consegui ir ver minhas outras amigas Mônica e Taia... Mas estar com V., durante a tarde, foi um momento muito especial! Serei sempre grata por você não esquecer dela, em suas orações.

Desejo-lhe um FELIZ NATAL! Você é uma querida amiga (por ora, apenas virtual), daquelas que sempre têm uma palavra doce, de incentivo e de carinho. É muuuuuito bom interagir com gente assim, como você. Sensível e delicada.
Um grande beijo, e FELIZ NATAL!

Suzi disse...

Ô, Luís... que coisa mais linda, de se ler... Não sou isso tudo, mas é aquilo: "trate as pessoas como elas deveriam ser e logo elas se tornarão exatamente isso". Suas palavras são um incentivo, pode acreditar. Continuarei tentando ser a melhor Suzi que alguém poderia ser. Lembrando sempre de Cora Coralina, que dizia que "nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas..."

Feliz Natal!!
Você é um cara especial!

Suzi disse...

Ccc,
são presentes que damos ao aniversariante, não é mesmo?
Fico tão feliz quando descubro que há pessoas como você, que no meio da festa, continuam lembrando que a celebração toda é por Ele e para Ele.
Paz, harmonia, fraternidade, união... O espírito do Natal.
Um beijo, querida!
E FELIZ NATAL!!!